Sabe que a música ela... ela me transporta pra um outro mundo. Ela... às vezes ela me leva de volta pra infância quando eu ouvia os alto-falantes do cinema tocando as músicas mais lindas que tinha na época. E... eu não entendia as letras, mas a melodia ela... ela estava no meu sangue, ela estava nas minhas veias, ela me percorria inteira e eu sonhava mundos... Eu lembro que eu desenhava muito... eu... eu... desenhava sonhos de casas que eu queria ter, com escadas, com sacadas, com varandas, com janelões que dessem para um lago ou para uma montanha... Eu... criava mundos e... viajava dentro deles, morava dentro deles. Fazia um sol só pra mim e eu lembro que a minha alma cochichava os sonhos que eu tinha... Eu desenhava vestidos, vestidos como antigamente, desenhava vários modelos pra mim, os vestidos que eu tinha sonhos, que eu queria debutar. Eu nunca fiz isso, mas eu sonhei. Eu tinha sonho de princesa, de dançar. E eu ficava criando no meu quarto que só tinha uma cama e pregos na parede para pendurar a roupa... mas era suficiente pro meu coração de menina porque eu fazia o meu mundo, eu criava, desenhava tudo a lápis e daí inventava histórias e fazia meus cadernos de poemas e colava fotografias e escrevia os poemas, muitos deles aqui... poemas que eu também escrevia nas cartas e nem sei se são mesmo meus. Alguns que tinham minha assinatura do sobrenome eu sabia... Era das leituras... Eu lembro que o quarto tinha uma janela daquelas de vidro que você ergue, mas não tinha a parte de fora e eu tinha medo da luz, não podia entrar luz no quarto à noite, nem relâmpagos. Eu tinha medo. Então a mãe tinha de colocar roupas nas frestas, panos nas frestas e ela tinha uma cortina de um tecido... essa cortina tinha flores gigantes vermelhas. Era chitão o nome da fazenda. Só que não era suficiente. A mãe tinha de colocar panos mais pesados quando tinha chuva porque eu tinha medo do relâmpago. E hoje eu quero luzes na minha vida. E eu ouvia a música e a música morava na minha alma. É como se ela fizesse parte de mim. Eu era... tão triste... e tão feliz ao mesmo tempo. Triste porque eu não podia sair de dentro de casa, mal podia ir ao pátio da casa. E não tinha casas do lado, nem de um e nem do outro e nem de trás, nem na frente. Nossa casa era bem sozinha lá no morro. Só tinha casas mais longe... Então não tinha vizinhos, não tinha nada. Tinha o seminário, os padres. Eu e meu irmão íamos jogar tênis com os seminaristas, mas eles eram tão santos... então o pai deixava. Eu lia muito. Eu pegava livros na biblioteca todos os dias e no dia seguinte eu já estava devolvendo e pegando outro. Eu os devorava. Eu gostava de olhar o Atlas. Eu ia na biblioteca nos intervalos e ficava olhando o Atlas, escolhendo os países que eu queria visitar... Eu olhava as montanhas e cada dia um viajava para uma delas. Eu era tão sozinha. Ao mesmo tempo eu me bastava, porque eu criava mundos e navegava dentro deles. Até os 15 anos a única coisa que eu fazia além de ir na escola era teatro aos sábados. Aulas de teatro. E ia na casa de uma amiga buscar revistas (júlia, bianca, bárbara, sabrina). E eu lia. Me entregava à leitura e anotava as coisas, as palavras que me tocavam, que eu achava importantes... e o mundo ganhava matizes e cores e eu dançava num caleidoscópio de luzes como uma princesa... mas, chorava muitas vezes... porque eu criava um amor mas ele não existia... A poesia... já é... já era na minha alma naquele tempo... e eu amava... Eu era sozinha, mas eu me bastava...
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