Atravesso, escusa, teu silêncio. Espio de longe a guarda dos anjos e os abonados de amor. Se fossem outros tempos minha alma se fecharia em si mesma em silêncio sepulcral e andaria assim, asas arrastando por milênios até vir um vento forte e chacoalhar as correntes que a prendiam à concha escura e triste. Então se derramaria com as sombras dos temporais, se deixaria levar pelas enchentes que as tempestades trariam e, enxurrada, gritaria ao mundo a sua dor de terra, mar e sol. Eu me calaria depois de o vento passar e me esconderia mais uma vez na caverna da concha, quieta, reflexiva, temerosa. Daquele morticínio começariam a sair filetes de sangue e com minhas mãos de pincel eu começaria a desenhar nas paredes da caverna. Do sangue da dor faria quadros na parede, dando nuances a cada sentimento. Seriam cerzidos os fios que ligavam um quadro ao outro e tingidos de púrpura para que pudessem ser vistos pelo sol quando olhasse pra mim. Cada pintura, um poema, cada poema uma história de um momento e o fio vermelho-púrpura cozendo as páginas uma à outra. Seria assim, que nasceria um poema silente colado a ele a lágrima que leva meu coração ao teu enquanto atravesso, escusa, teu silêncio e penso que, se fossem outros tempos... se faria em mim o silêncio dos sepulcros e se derramariam enxurradas pela força dos temporais... se fossem outros tempos...
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